Talvez você não saiba, mas certamente já ouviu em algum cantinho a voz dele. Eli Corrêa ficou conhecido nos anos 70 e 80 como o Homem Sorriso do Rádio e por seu jargão "Oii Geeente!" Aos 58 anos, ele se intitula o companheiro das empregadas e diz que nunca foi um brega por excelência, e sim um popular. “Talvez eu passe amanhã, mas alguém vai sempre lembrar do 'Oi Gente'. Foi a identidade que eu consegui”. Em entrevista exclusiva ao Terra, ele revelou seu amor pela profissão e o motivo pelo qual nunca foi para a televisão. “Lamento profundamente que eu não tenha me entusiasmado pela televisão. Eu já tive oportunidade. Como pode um cara só ficar no rádio? Eu teria que abrir mesmo para televisão, internet, mas eu infelizmente só gostei de rádio”.
Ao chegar à sede da Rádio Capital, no bairro do Paraíso, em São Paulo, a nossa reportagem já podia escutar, do lado de fora, o comunicador. Um alto-falante instalado na parede transmitia seu programa ao vivo, provavelmente para entreter as pessoas que se encontravam na recepção à espera de Eli para conhecê-lo ou buscar alguma ajuda. O apelo popular deixava o ambiente descontraído e hospitaleiro e, ao saber da presença da nossa equipe, o radialista nos convidou para entrar no estúdio e nos entrevistou no ar, no fim de seu programa, para dar boas vindas.
Com trilha sonora vibrante e leitura acentuada, o quadro Que Saudade de Você ainda é um grande sucesso no programa. “A sessão ainda no rádio é a mais ouvida. Você pega o Ibope e pode somar o segundo, terceiro lugar, o quarto e o quinto para dar sozinha a sessão da saudade. Essa é uma fórmula que deu certo, porque é uma fórmula humana”. Eli Corrêa diz que recebe em média 500 cartas (entre papel e e-mail) por mês, onde as pessoas contam suas histórias de traição, medo, vitórias e saudades. No auge do rádio AM, ele conta que as cartas eram tantas que ficavam guardadas em sacos. O comunicador destacou também duas histórias marcantes: a de um presidiário que narrou seus assassinatos cometidos para vingar a família e a de um homem que teve uma experiência sobrenatural ao salvar uma criança em um acidente de carro.
Eli Corrêa tem dois enteados e dois filhos, um deles Eli Corrêa Filho, Deputado Federal, conhecido como repórter do povo, por seu trabalho também na rádio. Questionado se seu sucesso poderia ter contribuído na eleição do deputado, ele diz que sim e muito. “A gente não pode negar isso.”
Há 43 anos no ar, dez deles na rádio Capital, o radialista diz se sentir realizado profissional e financeiramente. “Não sou um cara que ficou rico. Talvez outras pessoas em outros veículos tenham salários de R$ 1 milhão, R$ 2 milhões... Não é o nosso caso, mas dentro daquilo que posso olhar (bicho)....ainda tô bem remunerado. Eu tô tranquilo, tô bem.”
Confira a entrevista na íntegra:
Terra - Você é conhecido por ser o Homem Sorriso do Rádio e pelo jargão "Oii Geente!" Como surgiram e qual a importância deles em sua carreira?
Eli - Vamos começar pelo Homem Sorriso do Rádio. Quando comecei a trabalhar no interior, em Barra Bonita (SP), eu tinha a ideia de fazer programas com aquelas vozes que eu ouvia no rádio, vozes fortes e grossas, que era o locutor padrão da época. E foi no primeiro dia que eu fiz o programa na rádio que uma moça, colega de escola, falou: “poxa, ouvi você no rádio. Engraçado, você fala sorrindo, dando risada”.
Já em São Paulo, pensei, "não vai ser imitando que eu vou vencer. Vou ter que ser eu mesmo". Esse foi o caminho para que eu encontrasse talvez a minha porta: ser diferente. Justamente aqueles vozeirões faziam os grandes jornais das manhãs, às 5h, 6h. Aí começou um cara fazendo assim..."vamos lá pessoal...acordando"...e bem alegre mesmo. Eu estava fazendo o que gostava, era garotão, não tinha problema na vida, quer dizer, era só dar risada mesmo, né? Isso foi importante para mim na medida em que se abriu uma possibilidade, criou-se um caminho, uma porta para que eu pudesse entrar em um mercado que é fechado, o rádio.
Mais tarde veio o tal do "Oi Gente". Aí, já dominando o estudio, já com meu programa, eu não sabia exatamente como me dirigir às pessoas de maneira coletiva sem falar alô ouvintes, senhores e senhoras, que eram coisas que a gente ouvia muito naquele tempo. Quer saber de uma coisa (bicho), eu vou fazer um Oi Gente, e assim começou. Aí um cara que trabalhava comigo escreve um cartaz assim: "Oi Gente, aí vem o Eli Corrêa". Ele falou: “esse Oi Gente que você está falando tá ficando legal no rádio”. Chegou um momento que o pessoal sabia quem era o "Oi Gente", mas não sabia quem era o Eli Corrêa. “Ah..aquele que fala 'Oi Gente'”. As duas coisas são importantes: o fato de eu falar sorrindo quebrou uma barreira para mim, algo diferente nos anos 1970, e o "Oi Gente" foi a identidade que eu consegui sem nenhum tipo de pretensão. Talvez eu passe amanhã, mas alguém vai sempre lembrar do "Oi Gente".
Terra - O momento Que saudade de você – que trata de dores, amores, traições e saudades - é uma receita que ainda dá certo?
Eli - Por mais que já tenha sido pulverizado o sistema de comunicação – hoje temos sites, FM, AM, iPhones, iPad – o momento da saudade ainda é o horário mais ouvido do rádio. Não é o que nós éramos nos anos 1970, 1980. Nos anos 1990 já começou a haver uma queda no rádio em si. Mas a sessão ainda no rádio é a mais ouvida. Você pega o Ibope e pode somar o segundo, terceiro, o quarto e o quinto lugares para dar sozinha a sessão da saudade. Essa é uma fórmula que deu certo, porque é uma fórmula humana. É o ser humano com suas nuances, suas várias situações. Procuro fazer uma espécie de rodízio. Coloco uma de traição, no outro dia de criança, pois se repetir o mesmo assunto todo dia ficaria meio cansativo.
Terra - E é você quem escolhe essas cartas?
Eli - Eu tenho uma pessoa que trabalha comigo há muitos anos, que se chama José Roberto Gama, ele é uma espécie de cara que tem a palavra certa naquele momento que eu não sei dizer. Que sabe compor a carta. Às vezes o ouvinte escreve a carta muito longa, extensa. A gente sabe reduzir a carta, mas ele sabe dar aquela nuance mais arredondada, mais de história. Eu já sou mais direto, vou muito ao assunto. Ele enfeita um pouco mais, cria mais a situação. É importante essa dupla. Ao longo desses anos deu certo. As histórias chegam em carta e por e-mail. Recebemos em média umas 500 no final de um mês. Mas já tivemos período que era brincadeira...sacos de carta.
Terra - Quais as histórias mais famosas, que tiveram mais repercussão? Elas te emocionam ao ponto de chorar no ar ou se envolver de forma pessoal?
Eli - Você sabe que toda vez que alguém me pergunta isso, é difícil, na medida em que você tem 40 anos de história, então são milhares de cartas. Eu diria que uma delas, a primeira que me chamou atenção, foi a de um presidiário, chamado Jamil. Era um cara que foi adotado e, aos nove anos, mataram toda a sua família e ele assistiu. Jurou vingança. Fui narrando a carta da história dele e quando chegou aos 18 anos ele se armou e saiu vingando um por um, se não me engano seis que tinham matado a sua família, a mando de um deputado lá do Paraná. Ele então matou todos. Cada situação era uma cena, como se fosse um filme. Coloquei isso no ar em uma semana inteira, em cinco capítulos, porque cada morte era uma história. Era um negócio maluco, falava em terreiro, bala de prata para matar o (espírito) Tranca Rua. Aí ia oTtranca Rua para o quinto dos infernos e “Pow”. Aí ele chega numa zona, de mulheres, vê um cara e manda ele tirar o crucifixo: “ não mato com Jesus assim e ‘Pow’. Essa carta foi muito interessante no que diz respeito a chamar atenção. Ele ficou preso 30 anos. Na época, nos anos 1980, pedi para o repórter ir até o Carandiru entrevistá-lo.
Deixa eu lembrar outras. Nem parece que fiz milhares (risos). Essa é uma carta que não faz muitos anos que narrei. O camarada está andando por um caminho na estrada e está chovendo. Então uma mulher pede carona para ele, uma senhora, uma loira. Ele tem medo de parar, mas lá na frente dá uma paradinha e volta. Ela fala algo do tipo: "olha, lá embaixo está minha filha" - ou qualquer coisa parecida. Nessas alturas ele desce e a mulher desaparece. Ele desceu e viu que realmente tinha ocorrido um acidente. Lá, ele encontra mesmo uma criança em uma cadeirinha, bercinho, e viva. Só que aquela mulher que tinha pedido carona para ele estava morta no volante. Essa carta me marcou muito. As pessoas falam dessas cartas que eu narrava. Eu tirava as sextas-feiras para narrar essas cartas do outro mundo.
Eu me emociono com elas. Você acaba se envolvendo com a história. Eu não sou apenas um narrador, sou um participante. Às vezes a história parece fria, mas quando você começa com aquela música, é todo aquele negócio, né?
Terra - Como está a audiência com a chegada das novas mídias? Acha que o rádio vai acabar?
Eli - Não acredito que acabe. O rádio AM tem diminuído sua penetração, audiência. Se nós não fizermos alguma coisa, não vai acabar, mas vai ficar cada vez menor. E quando se torna uma coisa muito pequena fica inviável. O rádio alcança um nível de audiência grande, mas poderia ser três vezes maior se tivéssemos a tecnologia do FM acoplada ao AM. Dizem que até 2016 virá.
E também temos a internet que nos ajuda bastante. A internet serve como ponto de apoio. Hoje, por exemplo, eu chego ao Japão e em todo Brasil. Não é o mesmo número que temos pelo rádio, mas a internet vem para somar.
Terra - Quem é o seu público?
Eli - O público mais jovem foi migrando para uma sintonia melhor, talvez o FM e outras coisas. Isso temos que admitir. E com isso, vamos ficando com um público mais simples, né? Sem tanto acesso a uma coisa, pelo menos por enquanto, melhor. Então foi como que filtrando.
Terra - Mas um público mais simples já vinha te acompanhando antes...
Eli - Eu nunca fui um popularesco, eu sempre fui um cara popular. Um camarada que tocou Beatles, que, na época, tocava músicas sertanejas, mas também Mamonas Assassinas. Nunca fui um brega por excelência. Eu sempre fui popular.
Terra - Você é pai de Eli Corrêa Filho, Deputado Federal. Acha que seu sucesso contrubiu para ele ser eleito?
Eli - Muito. Totalmente. A gente não pode negar isso. O fato de ele ser Eli e o pessoal acompanhar meu trabalho... De repende você coloca um outro Eli para também fazer um trabalho com você, independente que teu filho seja ou não deputado, o trabalho que ele acabou fazendo para o programa – como repórter - foi muito bom para a comunidade. A gente trabalha com o povo mesmo. Quem está melhor de situação tem seu mecanismo de se defender. Mas essa população mais simples, mais pobre, não tem quem a defenda. É o tipo de coisa que eu trago lá de trás. Meu filho acabou herdando e tocando alguns segmentos. Isso fez com que ele se elegesse sim.
Terra - Você não teve um passado simples, né?
Eli - Olha, não sou paupérrimo.
Terra - Antigamente, quando você começou...
Eli - Nunca passei fome. Nunca tive dificuldade. No interior, antigamente, minha família trabalhava. Eu era pacoteiro das Casas Pernambucanas, morava com meus avós. Não passava fome, mas também não era nenhum rico.
Terra - Já recebeu convite para ir para TV? Outras rádios? Isso te atrai?
Eli - Rádio eu já trabalhei em várias. Nas maiores populares de São Paulo eu já trabalhei. Televisão, (bicho), eu nunca entendi por que razão eu nunca me encantei com a televisão. Eu lamento profundamente que eu não tenha me entusiasmado pela televisão. Eu já tive oportunidade lá nos anos 1970, quando ainda existia a Tupi, tive chances, se eu tivesse vontade mesmo. Tive nos anos 1990 uma oportunidade dada pelo Zé Carlos Martinez, de uma rede chamada CNT Gazeta. Queria que eu fizesse um programa, mas o que faltou para mim foi vontade e até hoje não sinto. Acho que hoje é inimaginável você não ter todas as mídias que você possa fazer. Como pode um cara só ficar no rádio? Eu teria que abrir mesmo para televisão, internet, mas eu infelizmente só gostei de rádio. Eu só quis fazer rádio e agora tenho que ficar no rádio mesmo. Se me surgisse uma oportunidade, tudo bem, mas eu teria que ir atrás, você só consegue as coisas se você batalhar.
Terra - Você pede para as pessoas contarem histórias de milagres. Você já passou por alguma situação assim?
Eli - Eu talvez nunca tenha precisado. Acho que já sou meio abençoado neste aspecto. Não que eu seja diferente. Eu sei que existe e um dia se eu precisar eu vou pedir. E acho que vou alcançar, né? Agora, vamos dizer que milagre é um cara sair de lá de onde eu vim, caipira como era, e ter um dia chegado até aqui. Então não posso pedir muito mais, não.
Terra - Você é reconhecido nas ruas?
Eli - Não exatamente pelas pessoas que me escutam, é que volta e meio eu estou na televisão. Um dia vou fazer o Ratinho, outro dia o Silvio Santos, comercial. Eu devo ter um traço tão marcante, porque eu vou tão pouco em televisão, mas aonde eu vou as pessoas me reconhecem. É legal você ser reconhecido, o problema é que nem sempre você está preparado para ser reconhecido, às vezes não tá bem vestido... Mas de um modo geral é legal, eu gosto.
Terra - Te pedem muita coisa? Ajuda?
Eli - Pedem. Eu vou nos bairros e as pessoas realmente me pedem muita coisa. “Dá para você me conseguir um telhado? A laje? Dá para você pedir o encanamento deste córrego? Um tratamento médico, uma cirurgia”, isso pedem aos montes. E você fica: "e agora bicho?" Dentro do que eu posso, eu tenho a equipe aqui do Eli Filho (na rádio) e já passo para verem o que conseguem. Dinheiro mesmo não pedem.
Terra - A Globo, na novela Cheias de Charme, resgatou a ligação do rádio com as empregadas (empreguetes). Na novela, tinha um radialista chamado Gentil, que contava histórias e estava sempre levantando o astral das ouvintes. Você se viu retratado ou homenageado na trama?
Eli - Eu gostei do fato de terem colocado algo relacionado ao rádio, mas não me via assim, não. Seria muita pretensão minha ser colocado assim. No rádio, no passado, foi feita uma pesquisa, na época o Tony Ramos fazia uma grande novela, que eu não vou saber qual agora. Então deu Roberto Carlos, Silvio Santos, Tony Ramos e Eli Corrêa: os reis das empregadas. Era o que as empregadas tinham apontado numa pesquisa como pessoas que elas gostavam.
Terra - Como você se intitularia com suas ouvintes?
Eli - Seria difícil fazer uma frase agora, mas de qualquer maneira eu preferiria ser um companheiro. “O companheiro das empregadas, domésticas. O seu companheiro, minha amiga”.
Terra - O rádio é um veículo que usa muito o recurso da imaginação. Quando você imagina seus ouvintes, em que situação e em que local acha que eles te acompanham?
Eli - Às vezes no ar eu coloco: o que você está fazendo agora? As pessoas dizem “ah tô limpando a casa, tô deitado aqui no sofá. De um modo geral imagino as pessoas, no meu ritual, acordando comigo, levantando, e o rádio fica ligado no quarto, na cozinha. Imagino a costureira 6h em um cantinho, com um radinho meio velho, meio empoeirado..costurando e me ouvindo, até escutar algo que pare para ouvir melhor. Indiferente elas não ficam, pois de alguma forma estou tentando cutucá-las.
Terra - Está realizado profissionalmente e financeiramente com tudo que o rádio te proporcionou?
Eli - Eu acho que sim, tanto em um, quanto em outro. Não sou um cara que ficou rico. Talvez outras pessoas em outros veículos tenham salários de R$ 1 milhão, R$ 2 milhões. Não é o nosso caso né, mas dentro daquilo que posso olhar, ainda estou bem remunerado. Eu tô tranquilo, tô bem.
FONTE: ENTREVISTA REALIZADA PELO SITE TERRA